Quando na europa se multiplicam as notícias de encerramentos de museus e se fala do nefasto "efeito Guggenheim", por outros pontos do planeta (uns mais longe que outros) novos Guggenheims se levantam (ou Louvres, ou Pompidous). Chega-nos a estranha notícia de que em Ordos, uma cidade no deserto da Mongólia, inaugurou um museu - edifício hiper-moderno do conceituado atelier chinês MAD. Repito: um museu no deserto. Segundo consta faz parte de mais um esforço do governo local para popular a região (até à data praticamente deserta), mas a este museu inúmeras infrastruturas se juntam, neste esforço que prevê teatro, centros culturais e outros espaços para a cultura. É impossível não perguntar: para quem?
Não é novidade que tal como um centro comercial facilita financeiramente certas lojas para atrair mais clientes, assim o fazem os governos com a cultura (isto generalizando, claro - fazem-no certos governos com certos "tipos" de cultura e os resultados estão longe de ser coerentes). No entanto, não deixa de ser irónico que cada vez haja menos cultura onde há gente e que agora comece a haver "cultura" (ou espaços de cultura) onde quase não há ninguém! Investimos milhões para levar a cultura a sítios remotos com a intenção de atrair pessoas mas parece não haver soluções para manter as pessoas e a cultura ao mesmo tempo, no mesmo sítio!
Será um problema económico? Isto da crise deixou toda a gente baralhada, já se sabe! Os princípios de ontem pouco servem hoje, a conjuntura mudou, o pão para a boca é mais importante, etc etc etc, mas pergunto-me que conteúdos terão estes espaços? E se de facto o Louvre tem tantas obras que pode levar algumas para o meio do deserto ou os grandes nomes da Land Art podem finalmente ter o apoio necessário para obras de proporções épicas, a questão, estranhamente, mantém-se - quem vai ver os quadros que abandonam finalmente os armazéns escuros, quem visitará os "jardins" arquitectónicos que hão-de ser construídos?
Como numa das cidades invisíveis de Calvino, entramos numa belíssima esfera super-romântica. É certo que a imagem da cidade fantasma altamente equipada para uma cultura morta pela falta de audiência daria certamente um best-seller com direito a filme, série de tv e merchandising se acrescentássemos fantasmas, e.t.s ou zombies, mas quando transpostada para a realidade, parece-me tão surpreendente quanto triste.
As "marcas" da cultura que se transfomaram em estatuto social, em "loja a visitar", em "must see" podem, para além dos seus objectivos comerciais, ter um conteúdo cultural relevante, ser ponto de encontro, proporcionador de reflexão, elemento transformador e mais um sem fim de coisas boas. Mas sem nós, as pessoas, com quem, para quem e para quê?
Vi um documentário há alguns anos (infelizmente não me recordo do nome...) em que se defendia que hoje, graças à fotografia digital, viajar deixou de ser relevante caso não haja imagens que o comprovem. Há poucos anos, as pessoas viajavam e contavam a sua experiência, falavam de sítios, pessoas, odores, etc. Hoje descarregam tudo para o facebook e acrescentam ;) e clicam "like".
Será que é para aí que caminham os museus? Para a mera experiência digital onde praticamente ninguém participa fisicamente? Onde sabemos que a obra existe porque diz no site que sim, onde sabemos que tal artista criou porque vemos a foto que o comprova, onde validamos esse valor cultural comprando na loja on-line do museu no deserto...
Eu visítei este museu no deserto on-line e não tenho vontade de voltar.
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