Quem lê a cultura em números diz que o maior valor não-contabilizado é a prestação artística, a capacidade que os criadores têm de investir nos seus projectos sem que daí obtenham remunerações financeiras justas (ou só remunerações). Há quem o veja sempre como um investimento, há quem acredite que a felicidade de falar e ser ouvido vale muito a pena, e há também quem salte de projecto em projecto sem nunca conseguir deixar o estatuto de "voluntário" para trás. Mas cada vez mais, são os "voluntários" que preenchem o panorâma cultural, cada vez mais os criadores estão a encontrar novos caminhos para falar e ser ouvidos - por gosto ou por necessidade, é irrelevante, o resultado é que os formatos vão aparecendo e muitos são mesmo bons! A semana passada tive a enorme sorte de conhecer um destes projectos: a revista digital de literatura Preferiría no hacerlo. Não têm uma história misteriosa e revolucionária mas ainda assim... um grupo de alunos da UAB juntou-se e fez uma revista digital, tão simples e tão complexo quanto isto. Ou nas palavras dos próprios (que o dizem poeticamente):
Preferiría no hacerlo es una revista que pretende hacer -y en la paradoja se recrea- de la literatura un divertimento. De ella venimos y hacia ella andamos, construimos un mundo al cual ir, lo construimos poco a poco, partiendo de las palabras y de la apertura de horizontes que la posmodernidad nos dio.
Somos la aporía del mundo, el espíritu crítico que encuentra en la literatura su sitio más querido, el lugar privilegiado en el que se transforma –se genera- la realidad. Partimos de la negación del escribiente Bartelby para reaccionar contra el mundo lógico y nos dejamos embarcar en el rio de la resignificación del nuestro. Venimos de la frontera, de la orilla, de lo extraterritorial, para decir nada y todo, para decirnos que somos el mentiroso de Creta y sólo decimos la verdad.
Está disponivel on-line, vai no seu nono número, é gratuita e procura colaborações, de maneira que: poetas da minha terra - chegou a vossa hora! Desafiando a nossa (que não é só nossa) tendência para a lamentação e a acomodação, este projecto está receptivo a receber trabalhos de outros poetas (literários, gráficos e outros géneros, imagino!). Se este espaço fosse um jornal e esta secção a dos anúncios, poderiamos ler qualquer coisa como: poetas procuram poetas, mas como ceci n'est pas un blog e a revista é digital, fica antes um video:
Para reforçar a afiliação às letras, a seguir conto a história que prova que as palavras, às vezes são o suficiente para unir as pessoas. Do outro lado do oceano, um outro poeta, Carlos Skliar, resolveu certo dia fazer um programa de rádio sobre literatura e resolveu chamar-lhe... Preferiría no hacerlo. Num romance, seriam irmãos tragicamente separados que crescem ignorando a existência do outro, mas a internet deu cabo da parte literária da coisa e descobriram-se digitalmente. Tal como depois da tempestade vem a bonança, depois do espanto veio a colaboração, e os dois PNH estão agora de certo modo unidos, pelo menos pelas palavras títulares.
Que bom!
A imagem inicial é a capa da nº 9 de Preferiría no hacerlo, ilustração (maravilhosa) de Gianpaolo Rende.
Boas leituras!
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