terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

I can't get no tecno-satisfaction


O filme neste post é do ano passado e é o que vi até hoje que explica melhor e de forma mais simples, o impacto que a tecnologia está a ter na criatividade e na cultura (indústria, produto… tudo!). Chama-se PressPausePlay e é da produtora sueca House of Radon.
A democratização do acesso à cultura, à criação e à sua propagação a escalas planetárias, veio simultaneamente dar espaço a todos e inundar o mundo de artistas, criadores, pensadores, tendências… e nós não temos tempo para consumir tudo, quanto mais para escolher, filtrar, e separar o joio do trigo.
A questão que nos levanta o documentário é que a democratização, neste caso pode querer dizer banalização. Absolutamente banalizada está a ideia de que todos podemos ser artistas sem sair de casa. Para ver um espectáculo já não é preciso procurar o bilhete, ficar na fila, pagar, sair de casa no dia do espectáculo (e lidar com tudo o que isso implica), ir até à sala, desligar o telemóvel, ficar incontactável e ver. Podemos ligar-nos ao youtube e ver, sem pagar e sem sair da cadeira – é de facto tão simples como isto.
As implicações económicas são enormes, claro, a sobrevivência dos profissionais dos espectáculos performativos está em causa, sim, mas estou certa que este debate, esta agitação, esta transformação, vai encontrar novos modelos de sobrevivência. Se calhar não os que nos agradam mais ou com a rapidez que nos convém, mas essas novas formas já estão a aparecer e vão certamente evoluir rapidamente para caminhos que ultrapassam a nossa capacidade de previsibilidade.
A questão que me parece mais interessante é ver como tudo isto afecta de facto a criação artística. Quando se pode aprender quase tudo em casa, em frente a um computador, desenvolvem-se capacidades técnicas a uma velocidade alucinante. Diz-se que um jovem, até chegar à Universidade passa hoje em dia uma média de 20mil horas na internet e outras 10mil a jogar vídeo-jogos. 30 mil horas gastas de uma forma fácil, sem esforço, na companhia da tecnoligia. Disso se fala também neste comentário: quando um jovem de 17 anos chega hoje a uma escola de cinema provavelmente terá mais a ensinar ao seu professor que o inverso – a nível técnico, bem visto! Porque no fundo, embora esteja conectado 24horas por dia com o “mundo”, provavelmente esse jovem sempre trabalhou sozinho ou com o vizinho do lado e não faz a mínima ideia do que é trabalhar com uma equipa, fazer concessões, ouvir os outros, construir projectos viáveis e sobreviver artística e financeiramente numa sociedade cheia de pessoas como ele. O ensino artístico hoje será então o ensino social no sentido em que o que se ensina de facto é a comunicar! Na era da banalização da tecnologia temos de ensinar as pessoas a comunicar umas com as outras, cara a cara, sem monitores ou cabos pelo caminho, dando um novo sentido à própria definição institucionalizada de ensino.
Apesar de todos os avanços, embora a indústria cultural possa sobreviver e desenvolver-se (e tem-no feito) dentro do seu próprio mundo, quando falamos de espectáculos ao vivo, as coisas mudam. Pode ser que essa força do espectáculo ao vivo seja a porta para outras soluções, parece ser o último “reduto”, o que ainda não foi tão drasticamente arrasado pelo novo mercado tecnológico, do qual tem obtido mais proveito que prejuízo. Mas também aqui voltamos ao mesmo, o espectáculo ao vivo continua a “funcionar” porque é uma experiência sensorial partilhada ou como diria a senhora entrevistada no filme “you go out of your mind… you connect!”.



Links interessantes aqui mencionionados:
Ólafur Arnalds (para os que fãs: estará dia 12 de Março no Apolo em Barcelona)

Obrigada Luciana Batista por me ter passado o link deste vídeo

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

people are getting an experience out of it...

and that's all that really matters!

curiosamente se substituirmos as palavras "livro" e "romance/novela" por espectáculo, música, teatro, etc. continua a fazer sentido!

sábado, 18 de fevereiro de 2012

o museu no deserto



Quando na europa se multiplicam as notícias de encerramentos de museus e se fala do nefasto "efeito Guggenheim", por outros pontos do planeta (uns mais longe que outros) novos Guggenheims se levantam (ou Louvres, ou Pompidous). Chega-nos a estranha notícia de que em Ordos, uma cidade no deserto da Mongólia, inaugurou um museu - edifício hiper-moderno do conceituado atelier chinês MAD. Repito: um museu no deserto. Segundo consta faz parte de mais um esforço do governo local para popular a região (até à data praticamente deserta), mas a este museu inúmeras infrastruturas se juntam, neste esforço que prevê teatro, centros culturais e outros espaços para a cultura. É impossível não perguntar: para quem?

Não é novidade que tal como um centro comercial facilita financeiramente certas lojas para atrair mais clientes, assim o fazem os governos com a cultura (isto generalizando, claro - fazem-no certos governos com certos "tipos" de cultura e os resultados estão longe de ser coerentes). No entanto, não deixa de ser irónico que cada vez haja menos cultura onde há gente e que agora comece a haver "cultura" (ou espaços de cultura) onde quase não há ninguém! Investimos milhões para levar a cultura a sítios remotos com a intenção de atrair pessoas mas parece não haver soluções para manter as pessoas e a cultura ao mesmo tempo, no mesmo sítio! 

Será um problema económico? Isto da crise deixou toda a gente baralhada, já se sabe! Os princípios de ontem pouco servem hoje, a conjuntura mudou, o pão para a boca é mais importante, etc etc etc, mas pergunto-me que conteúdos terão estes espaços? E se de facto o Louvre tem tantas obras que pode levar algumas para o meio do deserto ou os grandes nomes da Land Art podem finalmente ter o apoio necessário para obras de proporções épicas, a questão, estranhamente, mantém-se - quem vai ver os quadros que abandonam finalmente os armazéns escuros, quem visitará os "jardins" arquitectónicos que hão-de ser construídos?

Como numa das cidades invisíveis de Calvino, entramos numa belíssima esfera super-romântica. É certo que a imagem da cidade fantasma altamente equipada para uma cultura morta pela falta de audiência daria certamente um best-seller com direito a filme, série de tv e merchandising se acrescentássemos fantasmas, e.t.s ou zombies, mas quando transpostada para a realidade, parece-me tão surpreendente quanto triste.

As "marcas" da cultura que se transfomaram em estatuto social, em "loja a visitar", em "must see" podem, para além dos seus objectivos comerciais, ter um conteúdo cultural relevante, ser ponto de encontro, proporcionador de reflexão, elemento transformador e mais um sem fim de coisas boas. Mas sem nós, as pessoas, com quem, para quem e para quê?

Vi um documentário há alguns anos (infelizmente não me recordo do nome...) em que se defendia que hoje, graças à fotografia digital, viajar deixou de ser relevante caso não haja imagens que o comprovem. Há poucos anos, as pessoas viajavam e contavam a sua experiência, falavam de sítios, pessoas, odores, etc. Hoje descarregam tudo para o facebook e acrescentam ;) e clicam "like".

Será que é para aí que caminham os museus? Para a mera experiência digital onde praticamente ninguém participa fisicamente? Onde sabemos que a obra existe porque diz no site que sim, onde sabemos que tal artista criou porque vemos a foto que o comprova, onde validamos esse valor cultural comprando na loja on-line do museu no deserto...

Eu visítei este museu no deserto on-line e não tenho vontade de voltar.



domingo, 12 de fevereiro de 2012

processo


Para começar a pensar sobre cultura e sobre criação - este é dos meus vídeos favoritos de sempre. Um excerto de uma aula de Bill T. Jones sobre o seu método de composição. É uma lição brutal, não só para bailarinos. A frase "don't be afraid to die now" aqui, verbaliza para mim o acto criativo, o ultrapassar os nossos limites, arriscar e construir no vazio. As diferentes fases de que fala Bill T. Jones, o nível de envolvimento e entrega, podem ser facilmente transpostos para o dia-a-dia e a nossa maneira de estar na vida. A grande diferença é que raramente temos 4 ou 5 oportunidades de repetir a mesma acção, de a repensar, reviver, desconstruir. A gestão da cultura, também deve ser um processo criativo: o melhor será planear, projectar, experimentar, ensaiar... enfim, criar!