quarta-feira, 16 de maio de 2012

uma ópera é uma ópera, é um museu


No passado domingo, dia 13 comemorou-se o dia europeu da ópera. O Gran Teatro de Liceu, conceituadíssimo estabelecimento cultural da cidade de Barcelona (que infelizmente tem sido notícia nos últimos meses pelos cortes, despedimentos e outras manifestações da cultura-politico-dependente), associado por quase todos às classes altas, ao luxo, à "alta cultura", fez uma Jornada de Portas Abertas. Das 10H às 18H podia-se entrar, passear pelos corredores, pelas salas destinadas aos "amigos do Liceu", pela sala de espectáculos e havia pontualmente actuações curtas e transmissão de espectáculos em ecrãs. E assim, só por abrir as suas portas, de um dia ao outro, a ópera do Liceu passou a museu. As pessoas estavam a visitar este espaço como se se tratasse de um museu! Não sei se aquelas pessoas não vão habitualmente à ópera porque ainda não tomaram conhecimento que há bilhetes a partir de 10€, ou seja, que é mais barato ir à ópera que a alguns cinemas desta cidade (principalmente se se comprar pipocas!), ou porque não têm tempo, ou porque acham que não vão gostar, ou porque acham que não se vão sentir bem... não sei! Mas o que sei é que há muita gente que quer visitar o Teatro de Liceu. Então, em que é que ficamos? Querem mas não sabem como... querem mas só se for grátis (e isto já estamos cansados de saber que não é verdade)... querem mas... só se for um museu?



O que é que levou as pessoas a entrar no Liceu nesse dia, a ter curiosidade, a tirar fotos, a passear-se por ali como se tivessem finalmente ganho acesso a um mundo inacessível? 
O teatro aproveitou bastante bem a presença "estranha", fazendo uma recolha de emails com a desculpa de um concurso de oferta de bilhetes, cujo o único critério para ser elegível era querer receber informações das suas actividades. As bilheteiras estavam abertas (a um domingo!), a saída da visita era pela loja, tudo bem pensado, bem feito, com simpatia e tudo! Para mim, o que faltou para passar de uma visita interessante a uma visita "UAU!" foi o acesso aos bastidores e camarins... quem sabe, pode ser que para o ano o aceso seja alargado!


Se estas pessoas vão voltar num dia de espectáculo não sei mas parece-me maravilhoso que nós que pensamos tantas vezes nos problemas gerados pela falta de público e que passamos horas a discutir tácticas de captação de novos públicos e artimanhas inteligentes para fazer as pessoas entrar nas estruturas culturais, nos esquecemos às vezes que é tão simples como... abrir as portas.

sábado, 5 de maio de 2012

É a tradição!


No dia 23 de Abril comemora-se na Catalunha o Sant Jordi. A lenda diz que S. Jorge matou um dragão para salvar uma princesa e desde ai se comemora uma espécie de dia dos namorados que se manifesta desde o séc.XV pela oferta de rosas encarnadas às senhoras (simbolizando o sangue do dragão), e desde 1616 de livros. Para a parte dos livros não há muita explicação religiosa nem fantasiosa, coincidência ou não, este é também o dia internacional do livro (estabelecido por convenência nas datas que aproximavam as mortes de Cervantes e Shakespeare...), e está montada uma tradição! Mas a tradicção tem vindo a mudar e nesta altura o dia de S. Jordi está para a indústria do livro como o Dia de Acção de Graças está para os criadores de perú: um dia único ao ano com vendas absolutamente brutais. As vendas de livros no dia 23 de Abril são equivalentes às vendas registadas no Natal, em todo o período de vendas do Natal.

A tradição de oferecer livros que incicialmente era "devida" às senhoras (em troca das rosas). Adaptou-se aos tempos e os homens também oferecem livros e toda a gente oferece a toda a gente, não é unicamente uma festa de namorados, é uma festa popular, para todos. É a tradição, dizem!
Pelas principais artérias da cidade, aqui em Barcelona, montam-se mesas improvisadas e vendem-se livros, é simples, não há estruturas dispendiosas, técnicos informados, expositores sofisticados... é uma festa de rua, é a tradição! Mas também se montam palcos para leituras, espectáculos e outras participações feitas na sua maioria pelos habitantes de cada bairro, como dita a tradição!
Não é feriado mas há tolerância no emprego para sair umas horas e comprar livros. É a tradição!
As livrarias também montam as suas bancas na rua onde os autores têm o seu dia de super-star e esperam as centenas de pessoas que fazem filas durante horas (não é um exagero) para ter os seus livros autografados. E porquê na rua? Primeiro porque as livrarias estão cheias de clientes e depois porque... é a tradição!

Há cenários de televisão que emitam a série "Guerra dos Tronos" e a fila para poder sentar-se no trono e tirar uma foto tem mais de 100 metros... e mesmo ao lado, claro, podem-se comprar os livros em super-edições. É a tradição a mudar! Também passam autocarros com equipas de televisão e há estúdios de rádio montados em plenas Ramblas, os media nunca ficam de fora de uma boa tradição!

Mas como é que esta tradição que se estendeu ao teatro, ao cinema e todo o género de lojas que fazem as promoções de S. Jordi, gerando um dia impar para o comércio e para a cultura, se mantém ao longo de tanto tempo e sem sinais de grandes mudanças? Não há tradição que resista por si só, não a esta escala! Não sem cooperação e vontade política. Cada bairro de barcelona monta a sua própria festa de S. Jordi mantendo a tradição e acção social do bairro vivos e de boa saúde, cada centro cívico e cada museu tem uma programação especifica para o dia na sua esmagadora maioria de acesso livre, cada escola trata o tema, cada editora faz edições especiais e edita novas obras para o evento, cada canal de televisão faz reportagens e programas especiais, ou seja, cada sector da sociedade interfere de alguma maneira mantendo e adapatando a tradição.

Desde que cheguei a Barcelona, em Setembro, tinham-me dito muitas vezes "tens de estar cá no dia de S. Jordi!", e tinham razão, é um dia impar na vida cultural desta cidade, é um exemplo brilhante do que uma boa politica cultural pode gerar e para além do mais é super divertido! Mas desde o principio de Abril, pelas paragens de autocarro, pelos cafés e espaços públicos começavam a ser distribuidos programas, apareciam cartazes... É a tradição!